13.4.20

O COVID-19 não é democrático, não somos todos iguais e o mundo inteiro não é um só


Querides, me desculpem se pensam o contrário, mas essa afirmação de que "somos todos iguais", ecoada na frase "o mundo inteiro é um só" e na hashtag "#somosumsó", do vídeo "Somos um Só", da cantora Bruna Ene, é ingênua demais. Ou puramente perversa.
O vídeo é este:
É preciso reconhecermos que as pessoas negras não são iguais às brancas, isso porque nunca tiveram nem têm os mesmos direitos, o mesmo acesso e espaço, as mesmas oportunidades. E isso muda tudo.
As mulheres não são iguais aos homens nas suas relações profissionais e afetivas. É só perguntar isso para aquelas que sempre tiveram a capacidade profissional diminuída em favor de machos menos competentes. E infelizmente não podemos fazer esse questionamento àquelas que tiveram as vidas encerradas por não terem o mesmo direito sobre seus relacionamentos afetivos que os companheiros que as mataram.
Uma mulher trans não é igual a uma mulher cis. Não pelos motivos que muitos podem estar pensando. As estatísticas estão aí para explicar.
Um povo não é igual a outro. Um país não é igual a outro. As máscaras e respiradores da China foram para os EUA, queridinho do lambe-botas Esgotonaro, que nos desgoverna, e centenas de pessoas vão morrer aqui no Brasil por causa disso.
Se não bastassem essas questões, importantíssimas, o vídeo está sendo divulgado como se fosse uma campanha mundial da Cruz Vermelha. Uma pesquisa simples na internet (fiz a minha em 13/4) mostra que só existem sites brasileiros dando a notícia. E que, se a campanha acontecer, será somente no Brasil, não no mundo inteiro, como as correntes de ZapZap estão dando a entender. Ou seja, está sendo usado um mecanismo de fakenews para divulgação do vídeo.
Em resumo, usam de fakenews para dizer que o coronavírus "é um vírus democrático", "que mata igual rico e pobre", que é "igual para todos". Não é.
O Equador, com sua avalanche de mortos, por acaso é igual à República Tcheca com seu movimento #masks4all?
Nos próprios EUA, têm morrido mais de 100 pessoas em casa por dia, com medo de recorrerem ao sistema de saúde e serem deportadas ou de terem seus parentes presos por serem ilegais. Elas eram por acaso iguais aos cidadãos oficiais? Não me engana, que eu não gosto!
E entre nós, o impacto do vírus será o mesmo na cidade alta e na baixa? Na Zona Norte e na Sul? Nos Perdizes e em Heliópolis? Muitas pessoas não têm nem água nem sabão em casa! Outras vivem na rua. Já outras - como eu - conseguem fazer home office, cumprindo a quarentena, recebendo seu salário igualzinho no fim do mês e esperando - protegidas - que essa grande tragédia da vida humana acabe lá fora.
Não somos iguais, minha gente! Ignorar isso é negarmo-nos a construir verdadeiras democracias, que, em resumo, são máquinas institucionais de construir consensos em meio a todas essas diferenças.
Se negarmos que essas diferenças existem, estaremos matando a possibilidade democrática.
E esse vírus antidemocrático, sabemos há anos, sempre esteve entre nós. E ele é muito, muito mais perigoso do que o coronavírus.

4.4.20

Sobre cura e fakenews e esperança

Hoje uma mensagem maravilhosa me atingiu. E me ensinou que nós precisamos, sim, adoecer. Que precisamos de vírus e corpos estranhos que nos invadem e nos colocam em casa, em frente ao espelho, em frente a nós mesmos.

Tudo começou com este vídeo do Antônio Fagundes, com um lindíssimo poema. Quem não viu, aconselho que veja:



Achei delicado, sensível e urgente o poema, segundo o Fagundes, intitulado “Curar” e que teria sido escrito, pela escritora Kathleen O’Meara, “no século 19”, em 1969, “quando ela tinha 30 anos”.

Estranhei o pequeno equívoco, já que “1969” seria século XX. Mas fiquei com vontade de ler o poema, então simplesmente googuei e encontrei este texto, de um site cristão muito bem estruturado, em que uma autora pesquisou e descobriu que a autoria do poema estava errada:



Em resumo, o artigo do site mostra que Kathleen O’Meara (1839-1888) realmente existiu, que foi uma escritora e biógrafa católica irlandesa-francesa, autora inclusive de um livro chamado “The curé of Ars”, mas que nada tem a ver com o poema.

Na verdade, o texto citado por Fagundes é de uma advogada chamada “Catherine M. O’Meara”, moradora de Michigan, nos EUA. Ele foi publicado não há 150 anos, mas há cerca de 20 dias, já no meio da crise do coronavírus, no dia 16 de março de 2020, e foi nomeado “No tempo da pandemia”.

Está disponível na internet e pode ser lido neste link, no blog de Catherine, que traz inúmeros outros textos incríveis e que vale a pena conhecer.

Escarafunchando a mensagem


Achei terrível essa história toda, pois ela mostra como espalhamos mentiras, às vezes mesmo sem querer, no meio de belas e importantes verdades.

Porém, ela também é maravilhosa, pois mostra como uma doença essencialmente biológica, que é o coronavírus, nos permite refletir sobre uma doença social que vivemos, no caso, a doença das notícias falsas e informações distorcidas, as chamadas fakenews, que têm feito também adoecer a democracia, a convivência e a empatia no mundo todo.

Faço três reflexões:

  • Fagundes queria espalhar uma mentira? Certamente que não!
  • O poema merecia ser espalhado? Com certeza! Ele é lindo e fala muito sobre os dias atuais.
  • Ele seria sido espalhado, se alguém não tivesse mentido (ou se confundido) que era de uma autora de 150 anos atrás? Provavelmente não, ou bem menos.

Por tudo isso, podemos aprender muito com essa história. Por exemplo, trocar as datas é um mecanismo comum de fakenews. Se o poema fosse de 20 dias atrás, ele “valeria menos” do que sendo do século XIV, e se espalharia bem menos!

Trocar o autor de um texto é também fakenews. Quantas vezes lemos no WhatsApp frases atribuídas a Clarice Lispector ou Drummond falando de autoajuda ou de como aprender a ser um líder? E o que Clarice diria sobre essa apropriação do seu nome?



Sobre vacinas e curas


Essa história nos mostra que precisamos lembrar o tempo todo de como as fakenews funcionam, pois somos bombardeadas constantemente por informações falhas ou distorcidas, intencionais ou não.

Precisamos olhar para quem espalha fakenews não como inimigos, mas como alguém com quem dialogar. Isso evita a mania de “cancelar” as pessoas. Fagundes, por exemplo, além de ser um ator extraordinário, criou uma imagem lindíssima de divulgador de literatura com seu personagem Alberto, na recente novela “Bom Sucesso”.

Por fim, quero dizer que, como nesta discussão sobre fakenews, e como no próprio exemplo do poema, nós estamos sim diante de uma grande oportunidade de cura para cada uma de nós enquanto mães, enquanto irmãs, enquanto filhas e netas e amigas. Enquanto humanidade.

“A gente está construindo há muito tempo discursos que viralizam e nos contaminam uns aos outros”, diz a escritora Geruza Zelnys, para quem também existem caminhos que podem funcionar como vacinas contra essa nocividade.

São caminhos que passam por conhecer a nossa própria voz, por nos reconhecermos como autores, autores de ações, de textos, de ideias, e dessa forma, como autores de nós mesmos.

Sobre isso, fica por fim este vídeo precioso da Geruza. Vale cada minutinho:





30.8.11

Não tem remédio

A vida não escorre pelos vãos dos dedos
Atravessa as mãos
E ela não escolhe, não para, não planeja
A dor de cabeça, essa sim, pode vir, passar, ficar mais um pouco, deixar um recado
A vida não, essa toca o foda-se

A idade é áspera e cada dia é mais grossa
O relincho da gente não acorda ninguém
A poesia às vezes aparece, igual a dor de cabeça
Mas é moderninha igualzinho, sempre foi, não curte esquentar a cama

Meus colegas, se os tenho, esses sabem das coisas
Escrevem verdades, libertam escravos, amam pela noite afora
Às vezes tenho até inveja deles
Se a vida não fosse tão vã, até diria que eles devem estar certos
Mas eu não tenho essa certeza, desculpem, já nasci meio morto

Aquela febre, sabe? Tomei Doril.

19.6.10

Uma versão nova da Análise!!!

Um obrigado ao Paulo Assis, que fez uma nova mixagem:

amor e ódio

tenho voltado a pensar em escrever
e se às vezes escrever ajuda a pensar
às vezes atrapalha qualquer pensamento

o meu, por exemplo
é um monte de palha
que um foguinho qualquer queima bonito
parece a pior coisa do mundo
parece a maior festa do mundo
e talvez seja
a cereja escondida de um bolo congelado

fico triste por ter andado escondido
me orgulho de quando estive ao sol
mas orgulho comigo não é detalhe
é um entalhe, que corta, um atalho que mata,
uma praga que importa o que nem deveria estar comigo

ai, meus amigos, que saudade
dos que partiram e dos que ainda existem
a vida, como sabem, não tem sentido
mas tenho sentido falta de dar sentido a ela
e vocês sabem, que nós, e somente nós, podemos fazer isso

esse post agora é coisa posta

é um pedido de desculpas

e, aos inimigos, prometo matá-los, maltratá-los, escurraçá-los

pois é o que esperam os inimigos

e é o que esperam também os amigos

sigo na busca de buscar

botar ao sol

amor e ódio

2.4.09

Coisa muito boa

-- Há mortos? há mercados? há doenças?
É tudo meu! Ser explosivo, sem fronteiras,
por que falsa mesquinhez me rasgaria?

(Drummond, mas poderia ser qq um... hahaha)

31.1.09

É sabido

Cócoras. Não sei o que faço. Um jornal pra ler, o Macunaíma pra ler, vinte textos pra corrigir. Que riso! Amanhã será domingo e hoje é a balada de um amigo. Eita vida. Comer é tão bom e jajá é horinha do almoço. Logo mais a maternidade que ver é bom e que o Tiagão conhecerá com aqueles olhos de quem nunca viu nada. Ô saudade desse moleque que eu também nunca vi! Tudo em preguiça neste sabadão de sonhos, tudo feito aos pouquinhos, misturado, começado nas coxas, tudo na mais linda e condente maravilha. Tudo vai acabar saindo, a gente sabe, é a lei da vida, e tem gente besta que duvida.

26.1.09

24.1.09

Nossa anunciação

Liberem as ruas, preparem as flores, ensaiem as músicas
Purifiquem os rios, enfeitem as casas, reformem as praças
Decorem poemas, relembrem histórias, inventem aventuras
Chamem os amigos, exercitem os risos, apurem seus carinhos

Tudo isso é necessário,
tudo isso será pleno,
tudo isso será nosso

Remontem o passado, resgatem o futuro, se esbaldem do presente
Utilizem mãos nuas na sova da massa que descansaremos ao sol
Tirem um cochilo, esperem sentados, gritem para ter coragem
Cada um a seu modo, cada um com seus cabelos e o mundo da cor dos seus olhos

Tudo isso entre nós
Que nos amamos de amor e ódio
E nessa terra seguimos juntos

Aquilo que esperávamos, aquilo que queríamos, aquilo que não acreditávamos nosso
Aquilo que fugia, aquilo que não se sonhava, aquilo que não tinha nome
Está a caminho, meu Deus, está a caminho, meus amores, está a caminho, meus queridos!

Seu nome é Tiago, passa bem e é um menino.
Impávidos e apavorados, esperamos sua chegada

E tocamos a vida a dois metros do chão
Como se tudo permanecesse igual e como se ainda não soubéssemos
Que a vida é mágica, indescritível, faz promessas e nos entrega seus milagres.

Espera

(Escrito pelos idos de novembro...)

Nós lhe esperamos, menino ou menina
Bagunceiro ou bagunceira
Calada ou calado
Olhos mel ou noturnos como os da sua mãe

Nós te esperamos porque estamos aqui e somos 100% coração
Porque não sabíamos, mas era isso
Porque estávamos desatentos e você nos avisou de tudo
Com essa voz que não sabemos fina
Que não sabemos manhosa
Mas que escutamos, minuto a minuto,
num sonho que a gente não precisa dormir para encontrar

Quando chegar, estaremos os mesmos
Não saberemos o que fazer, e faremos
Nem o que lhe dizer e não vai faltar palavra
E que língua é essa em que as pessoas pequenas que ainda não têm idiomas costumam revelar segredos?

Também vamos contar nossas histórias, sabe?
Não tenha dúvida que vamos te ensinar a tropeçar na vida, a fazer burrada, a se arrepender, a ter coragem, a ter medo, esse monte de coisa que acorda de manhã com a gente e que às vezes não dorme de noite

Não tenha dúvida que vamos brincar, brigar, correr, sonhar junto, e que eu e a Cris vamos querer pra você tudo o que a gente não teve, e que vamos fazer de tudo pra que você esteja mais preparado que a gente, mais aberto, mais confiante, mais humano, mais à flor da pele, mais integrado, mais envolvido no mundo

Essa coisa de bicho do mato, que eu tenho, se Deus quiser, você não pega. Mas há de pegar meu carinho, minha imaginação e meu gosto pela poesia em todos os seus aspectos. Da Cris, pode pegar o que quiser, que eu amo tudo. Particularmente a divindade de ser entregue, de não saber nunca amar pela metade

Agora, neném, não se assuste com esse monte de asneiras, com esses pedidos, com essa enxurrada de recomendações! Nós estamos aprendendo, tá, e, nossa!, como é doida essa coisa toda! Como a gente respira e parece que tá sempre com o peito apertado!

Mas dia-a-dia a gente vai tentando, vai prestando atenção e vai pegando o jeito. Daqui a pouco você vai ver, vai nascer de boa e cair nos nossos braços. A Cris já prometeu mordidas e, quanto a isso, acho que não serei proteção.

Clarice ou Tiago, Tiago ou Clarisse, os sete meses que faltam são de mentirinha! Você já nasceu faz tempo no nosso coração.