Querides, me desculpem se pensam o contrário, mas essa afirmação de que "somos todos iguais", ecoada na frase "o mundo inteiro é um só" e na hashtag "#somosumsó", do vídeo "Somos um Só", da cantora Bruna Ene, é ingênua demais. Ou puramente perversa.
O vídeo é este:
É preciso reconhecermos que as pessoas negras não são iguais às brancas, isso porque nunca tiveram nem têm os mesmos direitos, o mesmo acesso e espaço, as mesmas oportunidades. E isso muda tudo.
As mulheres não são iguais aos homens nas suas relações profissionais e afetivas. É só perguntar isso para aquelas que sempre tiveram a capacidade profissional diminuída em favor de machos menos competentes. E infelizmente não podemos fazer esse questionamento àquelas que tiveram as vidas encerradas por não terem o mesmo direito sobre seus relacionamentos afetivos que os companheiros que as mataram.
Uma mulher trans não é igual a uma mulher cis. Não pelos motivos que muitos podem estar pensando. As estatísticas estão aí para explicar.
Um povo não é igual a outro. Um país não é igual a outro. As máscaras e respiradores da China foram para os EUA, queridinho do lambe-botas Esgotonaro, que nos desgoverna, e centenas de pessoas vão morrer aqui no Brasil por causa disso.
Se não bastassem essas questões, importantíssimas, o vídeo está sendo divulgado como se fosse uma campanha mundial da Cruz Vermelha. Uma pesquisa simples na internet (fiz a minha em 13/4) mostra que só existem sites brasileiros dando a notícia. E que, se a campanha acontecer, será somente no Brasil, não no mundo inteiro, como as correntes de ZapZap estão dando a entender. Ou seja, está sendo usado um mecanismo de fakenews para divulgação do vídeo.
Em resumo, usam de fakenews para dizer que o coronavírus "é um vírus democrático", "que mata igual rico e pobre", que é "igual para todos". Não é.
O Equador, com sua avalanche de mortos, por acaso é igual à República Tcheca com seu movimento #masks4all?
Nos próprios EUA, têm morrido mais de 100 pessoas em casa por dia, com medo de recorrerem ao sistema de saúde e serem deportadas ou de terem seus parentes presos por serem ilegais. Elas eram por acaso iguais aos cidadãos oficiais? Não me engana, que eu não gosto!
E entre nós, o impacto do vírus será o mesmo na cidade alta e na baixa? Na Zona Norte e na Sul? Nos Perdizes e em Heliópolis? Muitas pessoas não têm nem água nem sabão em casa! Outras vivem na rua. Já outras - como eu - conseguem fazer home office, cumprindo a quarentena, recebendo seu salário igualzinho no fim do mês e esperando - protegidas - que essa grande tragédia da vida humana acabe lá fora.
Não somos iguais, minha gente! Ignorar isso é negarmo-nos a construir verdadeiras democracias, que, em resumo, são máquinas institucionais de construir consensos em meio a todas essas diferenças.
Se negarmos que essas diferenças existem, estaremos matando a possibilidade democrática.
E esse vírus antidemocrático, sabemos há anos, sempre esteve entre nós. E ele é muito, muito mais perigoso do que o coronavírus.