22.9.07

Primeira carta ao Almir do amanhã

Te escrevo, meu caro, para dizer, primeiro, que perdi muito do carinho que eu tinha por ti. Sério. Mais uma das faces do meu egoísmo, sabe? O que tu tiveres, ou seja lá o que venhas a fazer ou ser, nada será meu. Posso, no máximo, ter hoje o sonho daquilo que tiveres um dia conquistado. E, desculpa, mas isso já não me satisfaz nem um pouquinho.

Te escrevo com a pancinha cheia de um café gostoso e um pão e meio com uma manteiga light que eu e a Cris descobrimos. Sério, deliciosa, recomendo. Puxa pela memória e talvez relembres o nome e até o gosto.

Adoro isto: um cafezinho e já vejo piscar o monitor, com minhas pupilas dilatadas! Pois é. E nem sei se tens aí, nesse corpo velhaco, este meu poder de viajar facinho, até mesmo respirando (rs)! Talvez tenhas perdido esses dons pelo caminho do tempo. Eu, todavia, quase não penso assim. Tenho achado cada vez mais que nada perdemos e nada ganhamos. Que sou aquele que se me apresenta, independente da ilusão daquilo que eu tenha sido, embora eu tenha um grande carinho pelo menino-eu da minha lembrança. E talvez tu possas até me ajudar a lidar com isso... Aliás, tu bem que poderias me contar, num sonho, a diferença entre o café da manhã e o café do amanhã. (Sobre os monitores, que agora já migram para plasma e LCD, decerto você nem terá um desses onde ver piscar nos seus olhos as tais pupilas dilatadas. Uma pena.)

Te escrevo para puxar conversa, porque não sei quase nada de ti. Eu, como pré-história dessa tua vida, não sei em que se tornaram – com o passar dos anos – os bichos e floras que povoam essa minha existência. Assim sendo, talvez seja mais útil eu te contar o que por aqui se passava, antes do futuro dilúvio. Ou das chuvinhas de asteróides miúdos. Ou de tardes e tardes de garoa; ou noites e noites com ou sem sereno.

No geral, talvez reflexo do tempo, eu vou me virando bem num jogo quase todo de incertezas. Funciona mais ou menos assim: as coisas valem em nichos específicos, sob prismas definidos, para as pessoas que compartilham a vontade de que certas conclusões sejam conquistadas. E variando levemente a freqüência da luz, improvisando um bafo quente sobre os cristais, embebedando um pouco o discurso racional com encantos da língua ou piadas sobre sexo, a gente progride, indiscutivelmente, rumo a alguma coisa que não sabemos o que é. Ou mais de uma coisa, claro. Os que amam o social usam tudo isso para socializar. Os que amam o liberalismo, para liberalizar. E os que amam o libertismo para libertismizar. Os que amam o amor, bem, alguns deles usam essa coisa como um cachimbo, para fumar maconha, isso desde a década de 50, ou desde que o mundo começou a se ouvir e se ver pelos meios de telecomunicação. Mas não sei se todos estão nessa toada porque tenho ficado muito fechado em casa e só agora estou pondo as contas em dia e poderei encurtar um pouco mais o teu futuro, bebendo qualquer coisa enquanto escuto, componho e canto canções pelos botecos da vida.

Vou parar abruptamente, desculpa. Dei uma aloprada agora; talvez saibas como é. Mas isso é um começo e a gente continua. Não vou me despedir longamente porque nunca nos encontramos.

Até outro dia!

4 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Indubitavelmente, rumamos ao desconhecido, meu caro. Numa recém-cegueira sente-se o cheiro do por-vir, mas, ainda não se tem o tato apurado.
E com o tempo, quando se aprende a tatear, já não sofremos mais da tal presente cegueira.
Somos o amanhã que já enxerga muito bem através de todos os outros cinco sentidos, e dentre eles ainda melhor pelo chamado "sexto sentido".

Eu Quero Ser - Caio New disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eu Quero Ser - Caio New disse...

Muito bom este texto, prende a atenção do começo ao fim.

Engraçado que convivemos com certas pessoas durante um tempo e depois descobrimos que na verdade nunca encontramos esta pessoa. Esta é a diferença das grandes amizades, o encontro se dá desde o começo e o caminho se torna infinito.

Abraço