20.12.07

MesmoMesmo

Eu quero sangue para minhas veias entupidas, pessoas! E quero carnes para os meus dentes moles! Como é que eu posso explicar? Eu sou escroto e eu exijo respeito! Eu sou escroto e eu exijo respeito!

Eu só tenho de especial o monte de molho do McDonald's que eu comi! E essa barriga, não duvide, são cerca de 1.500 sapos mal digeridos... E daí? Você vai falar merda e eu vou continuar aqui, rindo para você, trabalhando para você, inventando soluções inovadoras para você, e, enquanto continuar a merda toda, enquanto nada de pior acontecer com o clima, com essa inexplicável passividade de toda a conjuntura interna e internacional, a nossa toada vai ser essa bossa nova, sofisticada, velha, alegrinha, fake, fajuta, futilizada, e as nossas palavras vão continuar essa coisa morta e a nossa porra não vai vingar nunca, em ventre nenhum, e o nosso eco vai continuar passeando inutilmente, voltando e fugindo de novo, se encolhendo, minguando, e a gente vai estar aqui, no mesmo lugar, contando as mesmas histórias, deschavando o mesmo back de pontas e bolando de novo... quase igual, quase igual...

E eu hei de continuar gastando a minha paciência com as mesmas coisas erradas. E continuarei não merecendo a complacência que eu mesmo estiver tendo comigo. E hei de continuar não valendo a pena nem para uma conversa, isso de tão rachado, de tão vencido, de tão acabrunhado, cabisbaixo, macambuzio, e vou acordar ainda umas 15 mil noites, como esta, e o meu desabafo vai ainda permanecer pelo meio, igualzinho aconteceu hoje, igualzinho está rolando agora... Porque eu me levantei e não aconteceu nada, eu me levantei e tudo que aconteceu foi que eu me lavantei. Fui escrever e quem venceu foi a merda. E é a merda quem tá cantando vitória! E eu lamentaria se tivesse o que lamentar. Eu, que nunca tive prisão de ventre. Eu, que nunca saí da terra do nunca. Eu que nem sei se algum dia estive por aqui.

12.12.07

Torcedor

Um pássaro num céu branco. Um estilingue no chão. Um moleque olhando para o alto. Um campinho de várzea vazio. Uma pipa mandando. Uma janela com flores. Um rato correndo de um lado para outro da rua asfaltada. Um portão e um interfone. Uma coroa de rainha sobre uma cama branca. Um girassol murcho e entortado. Uma pata de coelho. Uma mão de carteiro balançando um envelope. Um raio numa noite quente. Chuva.

1.12.07

Aborto

Acabo de cometer um aborto. Matei Eva. Os que dela souberam têm noção de que ela foi mais um sonho do que um projeto.

Quanto tempo perdi com ela? Quinhentas horas? Mil? Quantos sonhos absurdos ela me deu? O último, no segundo do assassinato, digo, do aborto, foi algo como uma obrigação. Sim, eu estava obrigado a realizá-la, pois outro o fará e, é claro, o mundo seria melhor se fosse meu esse poder.

Talvez até fosse. Mas foda-se.

Descobri há quatro anos que os caminhos não existem. Que as decisões políticas são uma farsa. E que o que existe é força ou não para cumprir uma decisão.

Hoje aconteceu. Não foi o "Ziggy Stardust and the spiders from mars", que eu parei de assistir para cometer o aborto. Não. Mas foi um salto. Uma sensação como aquela de cair do trapézio. Aquela que balança a gente sempre que está à beira da janela.

Foi um dos maiores saltos, meus caros, me parabenizem. Contarei a cada um o que significa, pois agora terei um pouco mais de tempo.

Amo a todos, e ei de amá-los ainda mais.

Beijos.

22.11.07

Nada demais




Cada um de nós tem também o dom das infinitas merdas. Dos incansáveis erros, dos improváveis fracassos, da palavra mais indesejada quando era hora de ficarmos quietos.

Cada um tem o dom da preguiça, o do orgulho, a vontade de encher o rabo de dinheiro. Cada um de nós tem um lado que quer na verdade que os outros se fodam, a não ser que sejam os nossos queridinhos. E mesmo sobre estes, é melhor que não estejam muito perto, que não falem muito, que não reclamem muito... porque, enfim, observar o sofrimento alheio não é lá essa delícia mesmo. Pelo menos eu não aprendi a gostar disso ainda.

Muitas vezes penso que os mais inteligentes e os mais maquiavélicos são os que optam por fazer o Bem. É, o Bem assim, em letra maiúscula, quase inexplicável, o certinho. E é maquiavélica a coisa porque só optando por esse caminho o cara fará o melhor para si e para o mundo: egoísmo? Talvez seja por aí, uma vez que o caminho do egoísta, da trolha de ser sincero demais, chato demais, ambicioso demais, vai criar inimigos infinitos pelo mundo afora. Pois é. O ser humano não está preparado para ser encarado de frente. A gente quer sempre seguir acreditando: no amor, na amigo, na previsão do tempo. E quer poder reclamar e tomar umas brejas chorando a merda de ter se juntado mais uma vez à média dos outros seres humanos e ter sido enganado: pelo amor, pelo amigo, pela previsão do tempo... Imagina que cena chata você colocando as malas no carro, o guarda-sol e tal, quando o porteiro passa e tira uma: “ah, se fodeu, vai chover de hoje à tarde até segundona de manhã! Hahahá!” Imagina. Nem que não chova. O desgraçado pode ter falado só de inveja, mas já botou uma pulgona atrás da nossa orelha! E mais... Era realmente melhor que ele me desejasse boa viagem e saísse ruminando a raiva de ter que trabalhar todo o final de semana enquanto eu passeio? Pois é, guerra, meus amores, guerra.

E cada um de nós tem o dom da alienação. A minha lua em touro está afiando os cascos e o meu chifre já faz tempo que está rasgando o vento. Olhos de sangue. Aras.

Tá tudo bonzinho demais, tah tudo carcomido demais. Merda, até quando a gente vai continuar comendo larva e agradecendo com reverência ensaiada? Até quando essa poeira toda vai continuar cobrindo os nossos olhos? E os meus olhos então! Flores e Photoshop! Flores e Photoshop! Flores e Photoshop!

Uma palavrinha aqui... Flores e Photoshop!

Um versinho de canção ali... Flores e Photoshop!

Uma mensagem de msn pro amigo esquecido... Flores e Photoshop!

Uma palavra amiga para a pessoa que gosto e que continua triste... Flores e Photoshop!

Acordar, trabalhar, comer, agradecer a merda toda... Flores e Photoshop!

Francamente. Vou tomar um sol aproveitando o aquecimento global. Alguém me estapeie ou esfaqueie, que eu não to acreditando. Ô azarão, ô azarão.

7.11.07

Marchas e outras delícias



Meu, fantástico! Detalhe para a louca da platéia! Palmas para elas todas, gente, que é nosso dever darmos graças e nossa salvação darmos glória! rs

Essa debaixo não é o Sérgio, mas o carinha manda bein. Bjetz.

24.10.07

o discurso do sabotador

30 anos, olhos sujos, signo leão
apesar do esforço, ainda tem carinha de bom moço
tem surtos de lucidez, às vezes bons,
mas em 99% do tempo é medíocre, mediano, comum, encurradado, desistente, ausente, preguiçoso, arrogante, insosso, apanhado, desiludido, inútil e pouco afeito a ajudar os outros
gosta de cães e gatos mas ainda não inventaram essas coisas nem bebês que se desliguem quando te percebem de saco cheio
é obsessivo e até um pouco metódico, mas isto somente dentro da obsessão
no resto do tempo, é um arrastar-se sub-reptício, um extraditar-se infinito,
um riso da clandestinidade, uma alegria dissimulada, uma tristeza submissa, o sacrifício diário de um sonho cada vez mais infinito à medida que desbota
ainda espera viver de música mas não tem feito por onde
possui um método comum de sabotar seus projetos criando outros mais interessantes, que até hoje funcionou tão bem que seu cemitério é um campo de montículos sem cruzes onde rolam crânios facilmente desenterrados pela chuva, e onde não há lápides senão uma grande placa de entrada em forma de sorriso, como se a coisa fosse uma pequena chácara e não um depósito de corpos
escreve mais ou menos e essa é outra de suas desgraças
tem os valores distorcidos, é óbvio, e exemplo disso é ter descoberto as maravilhas da memória fraca - nada a ver com maconha, já disse, pois fumou menos que a maioria dos estudantes primeiranistas de fonoaudiologia - é mais a coisa de tudo parecer novidade, mesmo os filmes já vistos, as canções já cantadas, as mulheres pelas quais já se apaixonou; o lado ruim da coisa é um certo dèjá-vu, uma chata indiferença blasé, que cresce com o passar dos anos e é um dos motivos para ele acreditar ainda menos em reencarnação
com a preguiça não concorda mesmo: nunca fez as pazes com ela
acha que dormir é um desperdício, a não ser que saiba que está sonhando
aí é possível voar sem avião, trepar sem limites, fazer maldades e procurar inutilmente espíritos, pois, quando você tenta penetrar na mente daqueles seres de sonho, eles geralmente não têm nada e parecem bonecos feitos de uma borracha mole porosa, uma coisa estranha, sabe?, mas acordar depois de qualquer dessas experiências é muito bom e são poucas as pessoas que conseguem e que o fazem com tanta freqüência quanto ele
mas odeia aranhas e sonhar com elas
acha que está crescendo, mas já achou tanta coisa, e tanto esteve errado, que não tem certeza disso
tem a impressão de que tudo o que descobre, na verdade, já sabia, e que, pior, a maioria das pessoas sabe muito mais
descobriu-se, por exemplo, um invejoso convicto, mas não tem nenhum tipo de paranormalidade, não sabe botar olho gordo, e não representa risco à sociedade à sua volta
não estudou o suficiente para ter certeza de que é lixo aquilo que escreve
não toca violão como queria e não tem sobrado tempo nem para tocar como não queria mesmo
não sai por aí contando vantagem de si mesmo, mas, quando está com um sonho nos bolsos, aí, sai de baixo, é insuportável, fascinado, olhos brilhantes, sedutor
já aconteceu, sabe, - eu mesmo vi e achei aquilo muito estranho -
o cara chegou quietinho na reunião aberta de uma cooperativa de artistas,
escutou, escutou e sua hora tava quase vencendo, tinha uma entrevista,
aí levantou a mão e começou a falar de sonho, de liberdade, de guerrilha cultural, de subversão da forma, de garantia das liberdades, e foi tão inflamado que provocou risos de afinidade e sentou-se e recebeu um monte de palmas
depois pediu desculpas pela fuga, despediu-se e nunca mais apareceu
cara estranho, gente, juro, cara estranho
é capaz de coisas do mal, eu sei, eu o denuncio
tentou, por exemplo, contratar um assassino visando à minha pessoa
eu, o sabotador, o sequaz companheiro, o que faz com que ele gagueje quando está sendo burguês demais, mundano demais, angelical demais, passivo demais, tirano demais
eu, o freio de mão, o lado que reflete, o que sabe das coisas infinitas e lindas que se constrói na terra,
e ele quis me matar, não o perdôo
(vide procura-se um assassino)
desde então, nossa relação não é a mesma
mas eu sigo a seu lado
e ele sabe que sou eu que mando
e só neste ponto: no pouco que ele sabe
eu, quase sempre, sinto medo

23.10.07

Do nada

Ando tão sem idéia
Sem ida nem volta
Sem ídolo, sem platéia
Desço assim, por que é descida
Ou subo, porque é a vida
E nem lembro o que ficando, ficando,
perdeu-se e nem me lembro mais

Não ligo mais se me ignoram
Se estão todos ficando caretas
Se inventaram palavras novas
Se compraram mais belos e maiores apartamentos

Morri e esqueci de deitar?
Pode ser, ou não, nem era essa mesmo a questão
Minha cama anda quentinha
E se eu pudesse dormia, dormia, dormia
Nunca mais ia trabalhar
Nunca mais ligava pra ninguém
Nunca mais recebia amigos
Até um dia em que eu acordasse meio doido
E não quisesse dormir nunca mais

9.10.07

Seleçãozinha para a Cris...

Querem te botar feitiço, amada, mas também pudera!!!!

Pra vc não ter trabalho de procurar no youtube, achei umas bonitinhas pra vc ouvir, da Roberta Sá:

Alô fevereiro

Cicatrizes, com MPB4

Guarde a sandália dela!!!

Samba de amor e ódio

28.9.07

Esconjuração do ato de escrever

Considerando que tenho escrito pouquíssimo, essa distância me liberta para falar mal do ato de escrever. Pois é, lá vai o traidor. kkkk.

O fato é que escrever é uma merda. Sério(rs)! Alíás, os dons, em geral, são uma desgraça, porque obrigam a gente a persegui-los e a gente fica escravo dessas coisas todas, tendo que pesquisar um monte, se esforçar pra caralho, abrir mão de horas de amizades e farras, deixar de ler coisas maravilhosas para escrever qualquer titica meia-boca. Sério, gente, isso é coisa de doido, e só explicações malucas podem justificar tanta sandice.

Exemplo: Se escrever é gastar um tempo raríssimo, o melhor poema sobre isso é aquele que não foi escrito. Pois, na forma, e no conteúdo, traz tudo o que a gente queria dizer, não é mesmo?, ou seja: nada. kkkk. Isso não exemplificou bulhufas.

Outro exemplo: Se escrever é uma coisa dolorosa e a gente se expõe e expõe os amigos e quando tenta encontrar o sublime só esbarra no ridículo, paciência! Atentemos, deixa ver... à ridicularidade da vida, por exemplo. É o momento! É lama!!! De barro preto, terra roxa, da boa, da lata, que tem adubo a dar com pau, mas é lama. Só mão de calo, muito calo, vai lá constrói um império de alfaces e couves-flores. Mas isso é raro. E as gentes de dons, em geral, não têm paciência pra essas coisas. Desencana.

Escrever é menos útil do que pitar um cigarro. A fumacinha, efetivamente, danifica o pulmão e fica impregnada na roupa. Da gente e dos outros, aliás. Aquelas espirais que se formam são uma coisa linda, mais bonitas do que nuvens e, pensando agora, acho que sei porque isso acontece. É que as porras das nuvens têm sempre fundo azul, oras! Que saco neh? Nunca mudam o windows do planeta. E a gente que falava mal do Bill Gates. Mas vamo lá. A porra da fumaça vai que vai, e o ser humano que fuma - à exceção de raças como jornalistas e delegados, que fumam trabalhando - minuciosamente, deliciosamente, religiosamente, finalmente!, consagra aquela horinha sagrada ao desgraçado vício (uns minutinhos roubados à furia de ganhar o pão com o suor do pescoço) e isso é uma das coisas mais lindas. Deus salve essa merda! Essa coisinha é sagrada mesmo, ainda que eu não fume essa caretice. E se eu fumasse ia ser a mesma coisa, mas que se dane. Não sei ao certo se ainda estou escrevendo sobre escrever.

Escrever, como vocês sabem, é pedir, sem esperança, uma resposta sobre o amanhã. Essa coisa de não ter esperança é muito clara no Drummond. Mas me lembrem de publicar uma letra do Márcio que fode de vez com a esperança que, convenhamos, pode ser das piores desgraças a afligirem escritores e não escritores, criando eternos países do amanhã, eternos posts do amanhã e, por que não, experts e perfects almires e libertários do amanhã. Ah, esses valores maravilhosos que não valem um cocô de pombo na careca da gente! Hahahahá! Bora brincar de adivinhação que a gente ganha mais, sabe.

Escrever é coisa de fofoqueiro, que sai por aó bisbilhotando a vida alheia e a própria. E não tem coisa pior, vou falando. Fofoqueiros da degraça, conselheiros frustrados da merda de estarmos vivos, poligRotas de linguas inventadas, sonhadas, caçadores de pássaros translúcidos e ilhas tormentosas, uni-vos!!! Vocês vão se foder se fizerem isso, podem estar certos. Mas se foder é o melhor que há, dizia a amiga Karin. Se eu estiver por aqui até apareço. Mas não serei eu a marcar o local. Hahahahahá!!!!! Bjs, bjs, bjs, bjs!!!!! Tô maluko hoje! kkkk !!!!

22.9.07

Primeira carta ao Almir do amanhã

Te escrevo, meu caro, para dizer, primeiro, que perdi muito do carinho que eu tinha por ti. Sério. Mais uma das faces do meu egoísmo, sabe? O que tu tiveres, ou seja lá o que venhas a fazer ou ser, nada será meu. Posso, no máximo, ter hoje o sonho daquilo que tiveres um dia conquistado. E, desculpa, mas isso já não me satisfaz nem um pouquinho.

Te escrevo com a pancinha cheia de um café gostoso e um pão e meio com uma manteiga light que eu e a Cris descobrimos. Sério, deliciosa, recomendo. Puxa pela memória e talvez relembres o nome e até o gosto.

Adoro isto: um cafezinho e já vejo piscar o monitor, com minhas pupilas dilatadas! Pois é. E nem sei se tens aí, nesse corpo velhaco, este meu poder de viajar facinho, até mesmo respirando (rs)! Talvez tenhas perdido esses dons pelo caminho do tempo. Eu, todavia, quase não penso assim. Tenho achado cada vez mais que nada perdemos e nada ganhamos. Que sou aquele que se me apresenta, independente da ilusão daquilo que eu tenha sido, embora eu tenha um grande carinho pelo menino-eu da minha lembrança. E talvez tu possas até me ajudar a lidar com isso... Aliás, tu bem que poderias me contar, num sonho, a diferença entre o café da manhã e o café do amanhã. (Sobre os monitores, que agora já migram para plasma e LCD, decerto você nem terá um desses onde ver piscar nos seus olhos as tais pupilas dilatadas. Uma pena.)

Te escrevo para puxar conversa, porque não sei quase nada de ti. Eu, como pré-história dessa tua vida, não sei em que se tornaram – com o passar dos anos – os bichos e floras que povoam essa minha existência. Assim sendo, talvez seja mais útil eu te contar o que por aqui se passava, antes do futuro dilúvio. Ou das chuvinhas de asteróides miúdos. Ou de tardes e tardes de garoa; ou noites e noites com ou sem sereno.

No geral, talvez reflexo do tempo, eu vou me virando bem num jogo quase todo de incertezas. Funciona mais ou menos assim: as coisas valem em nichos específicos, sob prismas definidos, para as pessoas que compartilham a vontade de que certas conclusões sejam conquistadas. E variando levemente a freqüência da luz, improvisando um bafo quente sobre os cristais, embebedando um pouco o discurso racional com encantos da língua ou piadas sobre sexo, a gente progride, indiscutivelmente, rumo a alguma coisa que não sabemos o que é. Ou mais de uma coisa, claro. Os que amam o social usam tudo isso para socializar. Os que amam o liberalismo, para liberalizar. E os que amam o libertismo para libertismizar. Os que amam o amor, bem, alguns deles usam essa coisa como um cachimbo, para fumar maconha, isso desde a década de 50, ou desde que o mundo começou a se ouvir e se ver pelos meios de telecomunicação. Mas não sei se todos estão nessa toada porque tenho ficado muito fechado em casa e só agora estou pondo as contas em dia e poderei encurtar um pouco mais o teu futuro, bebendo qualquer coisa enquanto escuto, componho e canto canções pelos botecos da vida.

Vou parar abruptamente, desculpa. Dei uma aloprada agora; talvez saibas como é. Mas isso é um começo e a gente continua. Não vou me despedir longamente porque nunca nos encontramos.

Até outro dia!

18.9.07

Cine Caiubi - com Grupo Tarumã

Achei no orkut do Márcio! MUUUUUITO legal! Sinal de que já demorô meu retorno ao caiubas. A música tá no youtube. É só clicar.

Grupo Tarumã canta Cine Caiubi

12.9.07

Desjejum

Hoje de manhã, comi comida de jornalista
Coxinha apimentada, café preto, às sete da matina, depois de ter dormido às duas escrevendo contra os inimigos do ensino superior público, gratuito e de qualidade
Ah, mas essa toada termina

Logo, caminharei à padaria
Passarei pela porta de vidro
E transpassarei mesas e prateleiras de leite e ovos

À frente do balcão, direi ao atônito padeiro:
- Fernandez, esquece a massa que não cresce, abandone a transmutação de pão dormido em farinha de rosca - e guarde as receitas novas para uma outra hora!

Tenho fome e esses minutos estão se tornando eternos
Fernandez, hoje eu vim comer seu sonho

5.9.07

Mandante

Contrate-se um matador
Procura-se um justiceiro
Mas tem de ser impiedoso; não tenho tempo para falhas
Serei cruel e desumano se o assassino não cumprir nosso acordo

Estou girando nos calcanhares e a vítima vai pelo mundo à solta
Não quero mais planos, não ligo se eu for preso ou denunciado
Quero o sangue e se possível a cabeça
Mais do que tudo, quero a certeza dessa peste morta

Quero um psicopata infalível; não me importa o que já tenha feito
Não ligo que seja a sua primeira morte e que, de agora em diante, ele comece a assassinar crianças
Não dou a mínima se ele estrangular velhos, se ele estuprou mulheres grávidas
Não ligo se ele matar meu pai, se chantagear minha mãe, se ele chutar a cara da minha irmã e passar a noite esporrando no túmulo da minha avó
Eu tenho ódio e não tenho mais limites, eu quero o seu poder de morte!

Não me interessa que seja insano, não me preocupo com seu método
Se ele explodir uma cidade, desde que a vítima esteja dentro, tudo bem
Não precisa nem me avisar para que eu saia de qualquer prédio em chamas
Não tô nem aí para mim, eu quero a extinção desse inimigo!

A quem se incumbir da tarefa, eu vou logo avisando
Esse traidor do diabo possui um trilhão de artimanhas
Essa peste que eu persigo é a invenção mais peçonhenta, a maldade mais recriada, a arquitetura da persistência do nojo... Foram anos de involução humana para que ele nascesse e aprimorasse seu conjunto de artifícios
Não acredite numa palavra do que ele disser, porque é até possível que essa aberração seja sincera
Talvez você veja inocência naquela face; eu já vi!
Talvez você se lembre dos melhores sonhos ou das coisas mais lindas que espera com a simples percepção do seu hálito
Aqueles olhos brilham de repente, fuja deles, afie a sua lâmina, afirme o seu gatilho
Ele pode parecer seu amigo, parecer sua falha, sua última esperança

Ainda que ofereça mais que eu, que ofereça mais grana, que ofereça outros motivos
Que diga que o persigo como um traidor e que ele sempre quis me salvar
Não escute, assassino, você é um homem ou um merda? E se não tiver dignidade de matá-lo pela promessa que me fizer, mate-o pelo gosto de sentir essa morte
Não lhe dê escapatória, não lhe dê tempo
Mate-o para ver o sangue que vai correr daquele pescoço magro
Mate para calar aquela boca que fala as coisas que te atrapalham
Faça com que o mal que te possui sirva finalmente para alguma coisa, seu desgraçado!
Mate porque, se você falhar, eu vou acabar com a tua raça!

Parece um herói, esse inimigo, você vai reconhecê-lo logo
Onde nada estiver brilhando, onde tudo correr medianamente bem, é grande a chance de que lá se esconda
Porque essa peste é tão mesquinha que esse é um dos seus métodos
O nojento vai vivendo na moita, exercitando uma mediocridade imensurável, fazendo graça, trançando as pernas
Deve estar tomando um café agora, confessando qualquer porcaria a um amigo novo ou velho, inventando um jeito torto de dizer aos colegas que gosta deles

Não tenha dó, assassino, não pense em ter amor por ele
Encontre e aniquile, pelo amor de Deus, pelo amor da morte, por qualquer motivo
Tenho tentado matá-lo, porém, não consigo
Não será glória nenhuma esse trabalho, porque essa excrescência nem devia estar no mundo

4.9.07

Uma oração para Sara

Enquanto você dorme e acorda
E balança e dorme
Na barriga de sua mãe
Eu rezo por você, Sara

E desejo que os deuses existam e gostem de iluminar caminhos
E estejam atentos à chance de um mundo mais belo, que há de nascer contigo
E desejo que os anjos existam e lhe confiem segredos
Que você há de esquecer para aprender outros – talvez os nossos,
E há decerto de deixá-los para inventar os seus

Enquanto os congressos discutem, enquanto se atracam luas e sóis,
Refazedora de mundos, Denise se divide em Denise e Sara
E é um milagre, ela sabe. Entre nós, daqui para frente
Tudo será outra coisa, como sempre seria,
E revelar essa mágica é também seu segundo milagre

O melhor de nós há de renascer contigo
Eu rezo e me alegro neste desejo,
Para que sejamos dignos da promessa que é a sua chegada
Para que sejamos mais amáveis e menos tolos
Para que abandonemos tudo o que nos pacifica mesquinhos
Para que sejamos para você até mais do que sonhamos para nós mesmos e ainda não conseguimos ser

Ouço seu riso, você já brinca e canta
Que encantos inventará Denise para que essa graça permaneça?
E rezo, atento, pelo mundo que lhe daremos,
Para que livros não sejam queimados, para que você os conheça,
Para que a poesia não se rasgue nem seus sentidos sejam perdidos,
Para que as máquinas não roubem o mundo e nossa própria maldade não vença

Rezo para que tenha a alegria de sua mãe
Alegria-bênção, que nem precisa de motivo
Felicidade humana, curtição das coisas da terra
Felicidade dourada: sol nos cabelos da fanzoca que te balança

E há de ser forte ou meigo, ou meigo e forte o seu grito
Há de ser seu, muito seu, mais que tudo
Há de ser ouvido, considerado, atendido
Consolado, se acaso for triste; comemorado, quando carregar vitória
Agora eu rio, pensando em sua mãe, primeiro ser a tratar desses gritos!
E fico alegre, e agradeço a Deus pelas risadas todas.

Pois assim há de ser cada berreiro seu,
Menina Sara,
Desde a primeira vez que chegar a este mundo.

2.9.07

Licor de amora

Tenho faltado a encontros e amigos
Preparo uma canção que nunca termino
Tão ausente que não seria surpresa se um dia eu mesmo batesse à minha porta

Prometo que isso acaba, que esse tempo passa
E passa mesmo
Mas vem outro inevitável
Brilhante e trágico
Heróico e solitário
E ninguém saberá se ganhei, se perdi, sequer se estive na luta

Acumulo coisas, quase todas inúteis. E essas são as de que mais gosto.
Uma utilidade qualquer e já ameaço me achar vencido
Desisto da brincadeira, levo a bola para casa
Não respondo à provocação, foda-se!, eu não estava nem aí mesmo
Talvez nem seja marcha essa canção que eu escrevo

Agora gargalho, paspalho, enciumado
Todos estão na roda e eu com o lápis na mão
- Ódio profundo, inveja mortal -
As moças revoltam-se em seus vestidos rodados
Eu sem palavra e dinheiro repasso a canção infinita

Encontrei este herói sórdido que só vence quando fracassa
Que nasceu com índole má e se sabota com amor estranho
Sua melhor palavra é o silêncio, seu grande feito é a ausência
Sua paciência diz “bom dia!”, enquanto naufraga um navio

Encontrei este conhecimento, esta alma sem corpo
Este ímã que atrai a palavra que agita
Torvelinho, remoinho, olho furado, buraco negro
Consciência direcionada de sempre saber-se ausente

Terra circulante embriagada e seca
Me aproximo, abraço e não causo pavor algum
Trago um recado esperado
Escrito no esquecimento
Numa língua que não conheço
Sobre um absurdo indescritível

Ninguém mais escuta e todos estão atentos
O vácuo se projeta e nem suga e nem apaga as lâmpadas
Noite perfeita para uma nova desgraça

Comemorem, amigos, pois a tristeza já foi sitiada!
Outra batalha, uma noite a menos
É possível sim, alguém viu dentro dos olhos dela!
Agora temos o vinho e todo esse chopp nos copos
Agora temos o canto e os anjos que sobem ao palco
A tristeza se amarfanha ainda mais, ruboresce, se constrange
Tão companheira e a gente faz isso com ela!
Hahahá, gargalhamos, os vencedores!
Hahahá, meus amores, minhas amoras!
O escarlate saboroso se espalha entre as mesas todas!
É fruta doce e tropical, mas seu aroma é o do sangue do inimigo.
Um brinde a essa delícia, um brinde!
Nossa senhora, como essa coisa é gostosa!

28.8.07

O parque

Priscila era uma menina meiga. Brincava de aeromoça e domadora e tinha um sorriso fofo, que a mãe não cansava de elogiar. E quando não tinha ocupação mais urgente, ou distração mais a seu gosto, quando sobrava um tempinho, no fim da tarde, dona Cláudia levava a criança para brincar num parquinho que ficava a quatro quarteirões da casa. Foi assim também naquela quarta-feira.

Dona Cláudia acabou umas encomendas de costura para uma vizinha, e levou a filha ao passeio. Encontrou um jornal sobre um dos bancos do parque e esta foi sua distração naquele resto de tarde, enquanto a filha brincava de corda, depois pega-pega e mais o quê de brincadeira que Dona Cláudia nem conhecia. E assim balançaram os olhos da mulher, ora no jornaleco, amarelo por de um dia de chuva e dois de sol, ora esquadrinhando o parque, procurando ver qual a nova atividade da filha. Mas aconteceu que o jornal estava interessante, pois falava do caso de uma moça, do bairro mesmo, que todo mundo conhecia, e que foi pega levando meio quilo de droga na sua bolsa, quando voltava de um baile em que foi com o namorado. Quando foram verificar, descobriram que o rapaz tinha ficha suja, e isso não era tudo. Bonitão que era, ele arrumava dúzias de namoradas, só pra servirem de transportadoras das mercadorias que ele distribuía. Um escândalo.

Dona Cláudia olhou para o relógio e levantou-se de chofre, procurando pela menina, mas só viu o pipoqueiro, que já se levantava de seu banquinho para ir embora. Aí ralhou consigo mesma:
— Eu falei pr’essa menina não ir pro outro lado do parque, mas cadê que ela me ouve? — E dizendo isso, atravessou o playground, passou o prédio da biblioteca, que ficava bem no meio do quarteirão, passou o velho laguinho, que havia meses não tinha mais peixes, e por fim viu algumas crianças jogando pedras nas árvores. Priscila estava com elas.
— Vamos para casa, neném? Seu pai deve estar preocupado!
A menina se virou depressa, soltou as pedras no chão e correu para os braços da mãe.

Ao chegarem na casa, a mãe apertou a campainha, pensando que o marido já tivesse voltado. Como ninguém foi abrir, a mulher empurrou o portão, que cedeu com facilidade, caminhou até próximo da escada, levantou o xaxim da samambaia e pegou uma chave. Sorriu e mostrou a chave à menina, que correu até a porta. As duas entraram e a mãe tornou a trancar a fechadura. Levou a mão ao interruptor, pois já era quase noite.
— Uhm... Acho que tá queimada. Liga não, filhinha, que é jajá que a gente troca, tá bom? — E já ia para a cozinha, quando a menina perguntou:
— Mãe, é hoje que é dia do pai receber, não é?
— É sim, filhinha, por quê?
— Por nada não. — Deu um tempinho, então perguntou pra mãe:
— O pai brigou com a senhora ontem, não foi, mãe?
— Por que está me perguntando isso, Priscila, você ouviu alguma coisa?
— Fala, mãe. Ele brigou, não brigou?
— Brigou sim, menina, mas isso é coisa de adulto. E você não entende. Não pode fazer nada. — Nisso a menina sorriu, levou as duas mãos ao rostinho gordo e falou:
— Mas eu posso sim!
— Você pode o quê, Priscila?
— É que eu contei essas coisas pra um amigo pra ele poder ajudar.

A mãe ficou muito brava e repreendeu a menina. Onde já se viu sair por aí contando aos amiguinhos a intimidade dos pais? Mas a menina riu de novo e balançou a cabeça para os lados.
— O que foi que houve, priscila?
— Ai, ai... Não entende nada mesmo, viu...
— Não sei entendo o quê, Priscila?
— É que eu sou mais esperta, ué!
— O que você está dizendo, Priscila? Por quê você é mais esperta?
— Por que eu falei com alguém que podia ajudar, mãe.
— Como assim, Priscila, com quem você falou? Foi com o tio Mauro, foi?
— Nã... ão...
— Então com quem foi, menina, fala de uma vez!
— Uhm... Hoje num é dia do pagamento?... Então. Eu falei com o meu amigo do parque, aquele que sempre fica rindo pra senhora.
— Ora?!!! O que é que aquele vendedor podia fazer pra me ajudar, menina sem juízo? Um desconhecido, e você contando de mim com seu pai!!... Você merece é um uns tapas bem dados para não fazer essas coisas!... — Mas um pensamento gelado correu a espinha de Cláudia, que ficou paralisada, com a mão levantada, pronta para acertar a filha. Então perguntou pausadamente:
— Priscila, por que foi, exatamente que você quis ter certeza que seu pai recebia hoje?
— Ah, porque assim ficava mais fácil, né, mãe?
— Como assim mais fácil? Mais fácil o quê, Priscila?
— É que eu fiquei com dó da senhora, mãe, aí eu salvei a senhora. Eu falei com meu amigo, que também gosta muito da senhora e ele fez tudo que eu falei.

A mãe baixou a mão, perturbada. Atravessou a sala. Chegou ao corredor, que dava para o quarto da criança, para o do casal e para a cozinha. Abriu um pouco a porta do seu quarto, lentamente, e espiou pela fresta. Tudo estava em ordem. Deu mais dois passos e entrou na cozinha.
Não havia sinais de luta. A toalha branca exibia uma grande mancha escura que quase tomava conta da mesa, manchando também os papéis que estavam sobre o móvel. Acima dessas camadas, duas mãos grossas pousavam sobre a umidade escura, tateando um motivo. O homem estava com a testa na mesa. Cláudia afastou-se e fechou os olhos, encostando-se ao batente da porta e sentindo um cheiro adocicado. Do outro lado da casa, Priscila já se alegrava:
— Oi, Tony! Trouxe algodão doce pra mim?!!!

(2001 ou 2 ou qualquer coisa assim)

27.8.07

A dança

Ai, ai, menina da aldeia!...
Queria ver-te bailando
Bêbado, ficar olhando
Dançares a noite inteira

Ó, ficaste na aldeia!...
E eu parti, cambaleando.
Meu passo foi se firmando
Nesta estrada companheira

Sei da aldeia que termina
Na vida transposta em sina
Quando a estrada recomeça

Baila a tardinha num sonho
Sabes dançar e eu componho
Teu bailado em novas festas

(Talvez 2002)

A canção de Maria

Bandeira,
Cinza das Horas,
Clavadel, 1913

Que é de ti, melancolia?...
Onde estais, cuidados meus?...
Sabei que a minha alegria
É toda vinda de Deus...

Deitei-me triste e sombria,
E amanheci como estou...
Tão contente! Todavia
Minha vida não mudou.
Acaso enquanto dormia
Esquecida dos meus ais,

Um sonho bom me envolvia?
Se foi, não me lembro mais...
Mas se foi sonho, devia
Ser bom demais para mim...
Senão, não me sentiria
Tão maravilhada assim.

Ó minha linda alegria,
Trégua dos cuidados meus
Por que não vens todo dia,
Se és toda vinda de Deus?

24.8.07

— Olha lá uma estrela!
— Cadê?
— Ali, atrás daquela nuvem.
— E como você sabe que lá atrás tem uma estrela?
— Não sei, mas...
— Então?
— É que eu não tinha assunto e tava me sentindo o sereno no silêncio azul.
— Ah, bom.
uma nova poesia nasceu
sem anúncios
sem esforços
assim quase que só da espera

assim como o príncipe
da romântica que sonha e borda
e aguarda sem explicação

a dita brilhou no horizonte,
relinchou seu cavalo e atravessou o vale com cabelo pintado e sorriso Cepacol,
coisa que
admito
quase não existe

Torta de liquidificador

Ponha um liquidificador dentro de outro e bata...

23.8.07

Ocaso

O homem curvo sombreia a mesa
Estende os braços,
Mexe o pescoço,
Sente que não agüentaria outro dia
Mas agüenta

Sua espinha dói, seus pés estão apertados
Seu chefe o manda para o inferno,
Mas é só de brincadeira
Sua vista treme,
Seu nariz escorre,
Seu filho o odeia, mas ele segue em frente
Tem fibra na alma, esse homem
É quase um herói

Não fosse pelo Péricles, estava promovido,
Não fosse pela altura, hoje seria cadete,
Não fosse pela Ismália, amaria Isabel,
Não fosse pelado, seria à meia-luz
Se não fosse pela direita, iria pela esquerda,
Afinal de contas, na nossa cidade,
Todas as questões são de trânsito fácil.

Mas ele prossegue alheio a tudo
Não tem tempo para besteiras o homem
Lima, sua, confere:
Algo falta no orçamento da firma!
Algo que jamais ninguém percebeu
Passou batido de contadores e donos
A empregada não leu nos papéis do lixo
A secretária pensou, mas esqueceu de marcar
Os computadores são inúteis
As campainhas não funcionam
Entra em desesperos o homem
Milênios de progressos em vão e só ele para dar a notícia
Pensa nos jornais. Basta um telefonema. Entretanto não há tempo.
Sucumbe.

(99 ou 2000)

22.8.07

Para a inveja dos tristes

O título do post é do Kleber Albuquerque, que assina com o Camalle algumas das letras mais fofas a atuais do nosso tempo. Muitos já devem conhecê-la, mas, como ela será eterna mesmo, não faz mal colocar aqui uma cançãozinha maravilhosa. Abaixo, vai um link do YouTube para quem quiser ouvir.

Isopor
Elio Camalle e Kleber Albuquerque

Que a luz da lua escorra
Pela pele, pelos pêlos
E que raios de sol embaracem seus cabelos
Que a vida lhe dê muita saliva
Pra lamber sonho em carne viva
Que seu riso não tenha o mínimo pudor

Que os ventos soprem sempre a seu favor
Que você encontra a cama feita, a mesa farta
A casa em festa
Que a boa estrela grude no meio de sua testa
E que o mal tenha paredes de isopor
Tudo de bom

Isopor no YouTube
(risos para a edição do vídeo)

21.8.07

Quase flor

Na minha terra morta, haveria uma horta
se ela não fosse o que é: terra morta
Cresceriam girassóis e morangos, ervas para o chá das cinco,
e enquanto eu corresse mundo, entre visões maravilhosas,
levaria esse jardim comigo



Em verdade carrego, assim,
para os lugares aonde não vou,
esse estranho não-jardim
Tem não-sementes e não-pássaros que nunca ali passarão
Por isso mesmo, eis que surgem, pois sempre ali estão
E nesse não-estar, afoitos, dele nunca partirão

Eu tenho cadeira e varanda, de onde fito a terra seca
(por vezes barrenta, não me importa)
onde a lagarta-borboleta não pôde nascer ou ser morta

Em meu não-jardim, crisântemos não brigam com ervas daninhas
e a samambaia rescende sob o sol do meio dia
As pétalas das margaridas, dourados brincos ciganos,
são caminhas para abelhas e seus lambuzados planos

E a roda das estações, ao revolver meus amores,
não mata folhas ou frutos, não desbota vivas cores

Ao olhar meu reino amado,
─ súbito ─ arranco um galho: meu não-jardim fica triste
E transtornado eu te entrego uma rosa que não existe

20.8.07

Análise



Culpados: Jonas grilo nas guitarras, Ivan Chiarelli no baixo, Gibi na batera, eu de violão e voz e Paulo Assis na produção.

Papel Laminado

Abres teus olhos e vês o abismo
Que fazer?
Fechar os olhos?
Dar mais um passo?
Aguardar um telefonema?
Xixi no abismo?

Tremendo, ensaias uma panorâmica.
Como fostes parar aí?
Agora é tarde.
Mas, tarde para quê mesmo?
(De todos lados, o fosso, que, agudo, mergulha-te goela dentro)

Ah, pensas, era mesmo o destino.
Até agora, só isto quiseste.
A esperança, a meta que perseguias
era o topo
E o topo é o gêmeo do abismo.

Quantos pequeninos abaixo!
Legiões, formigas, pontos, manchas
Aquele deve ser o cais do porto
Jamais visitado
Que sempre te revisita.

Seria mesmo o destino
vontade tola de coisas inexplicáveis?
Viria, depois, a explicação
deitar-se na cama velha da vontade?
(Ah, uma cama velha neste topo!)

Não podes. E sequer pensar devias.
O motivo é que o topo é uno
e nele não cabem pensamentos.
Ratos, pizzas, recados
são substâncias de baixo,
e, quando pensas,
passeias por densidades menos nobres,
e feres,
teu privilegiado ponto de vista.

Uhmm! Ia-me esquecendo!
Precisas furar um olho.
O duplo não cabe no topo!...
Terás sim, a sombra, mas esta,
refletida no abismo, perder-se-á,
como o eco das palavras que não conheces.

De repente, manjas (nirvana)!
E como não faz diferença,
escolhes, enfim, o abismo.
( não por coragem, mas na vista de um velho poema )

no sulfite, tapete voador,
flutuas no tempo igual foto desbotada
e, tal como o desespero, chega então a alegria
e poderias ser um segundo sol se metáforas funcionassem e este momento fosse mesmo o mundo

rápido
teus pés enroscam-se nos garranchos
— vento! —
Com toda a velocidade, algumas vírgulas caem,
Bjxiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...
Despencam significados,
xonados,
elétricos,
e tuas palavras vazias,
sons e ritmo,
tiburcecalabandeando,
vão
quando, enfim, até o papel te escapa.

Eis que a gravidade, quem diria, sem mais nome, existe
e faz com que o papel deslize
e volte
e vá e volte
e deslize e volte
(e continuas no meio)

E cada passada é um corte
então percebes
braço, verrugas, dedos,
um saco roxo amassado,
e teus ouvidos separados
também separam-se os mundos

teu nariz ganhou o Atlântico
teu dedão no Himalaia
terras que não conheces, não podes dizer quais são,
a cada nova investida
o mundo todo se parte
e em toda parte,
do abismo ao topo
teu ser-não-ser se atazana

Em verdade, expressamos,
sobre teu corpo deixado:
— Foi crack!
— Não, êxtase!
( ou taquicardia... )

Teremos, decerto, acertado.
Não saberemos em quê.

imagem da sagrada família

estão de frente o pai e o filho
todos sabem que eles se amam
natural
a igreja sabe, a família deseja, até a moral obriga
se olham com imensa fraternidade
o filho se aproxima e segura o rosto do pai
a mãe está comovida na poltrona
o irmão se enternece
a língua do filho brinca na boca do pai,
roçando palavras duras, dentes amarelos,
uma cárie até então desconhecida,
coisas de gosto diverso

se tudo tivesse acontecido antes,
quanta economia de aborrecimentos!
a filha não teria filho, ou se tivesse,
ao menos teria marido
a mãe não teria deixado de costurar para fora
até o próprio pai teria amado ver o filho na faculdade,
vencendo sim
na vida tão difícil que o homem recebe na terra
o irmão, que sempre gostou de viola não teria partido
para a amazônia,
na primeira oportunidade que lhe deu a Aeronáutica

é de se estranhar que estejam todos na mesma sala
vivendo um momento tão belo
não estão
depois que foi expulso de casa, o filho não achou interessante retornar
a mãe é quase sozinha
o pai só volta bem tarde
às vezes tarde demais

revisões

minha paixão é maria-fumaça
que desgovernada
atinge a primeira vaca que me passa a porta
e queima as carnes
e tritura os ossos
transformando até peido em flores
eu rio dela e por isso mesmo ela existe

minha paixão garota de rua
viciada em crack
culpada e útil
vida pulsando em todos os orifícios
apesar da cárie, da aids, do adidas
santa é a puta que pariu
a mais confiável das criaturas
mas hoje a vejo passar
e não preciso do seu cu na reta

minha paixão é um norte-americano obeso e incomunicável
gritando help morrendo afogado no cais da boca do tango
seus braços pesados batendo
sua boca jorrando água morna
e eu olhando tudo isso sem graça

diabo
o infeliz
se deixo ele
o maldito vem de noite puxar minha perna

cavalo

ao jovem Guevara

cavalgue em mim alma do tempo
meu esqueleto ainda é forte
cavalgue em mim alma do tempo
meu coração ainda é novo
cavalgue em mim alma do tempo
minhas feridas ainda doem

enquanto a fé não vidrou meus olhos
enquanto a fé não clareou-me a face

cavalgue em mim alma do tempo
porque a fome ainda grita
cavalgue em mim alma do tempo
porque o desprezo ainda mata
cavalgue em mim alma do tempo
porque a preguiça

enquanto o sangue não volveu fraco
enquanto o santo não perdeu a fome

cavalgue em mim alma do tempo
enquanto homem
enquanto rato
enquanto bispo
enquanto puta

ainda eu morto ainda viva

trânsito

peguei o ônibus que mais demora na história do mundo
ainda hoje permanece travado
num engarrafamento
saltei no trânsito
desde então
procuro o próximo ponto

fui ficando cego

fui ficando cego
e passei a ver coisas estranhas
pássaros em formatos inimagináveis
ETs no alto de prédios
moças arbóreas à beira de avenidas

sem certeza do que vejo,
seleciono o que imagino
questiono aquilo que calculo
e refaço a base das contas
já não sei realmente se,
para alguém de Marte,
1+1 são 2

de fato, pode até ser, não nego
e, quando passo pelas avenidas, sorrio para as árvores
ou mulheres
que todas merecem uma noite agradável
!de repente, a dúvida!

e se eu resolvesse abraçar árvores e me confundisse?
— totalmente possível e sou casado —

seria este o meu fim?
é claro que não!!!

homem fraco que sou
fugiria
da morte chupando o dedo

de mal em mal

de mal em mal
foi fatal
fiquei bom nisso